Mulheres e Articulação Neoconservadora: Pautando Gênero na Ascensão da Nova Direita na América Latina Atual

Arquivo indisponível

Aluno-pesquisador: 

Laura Comparato Cardoso

Orientador: 

  • Professor Pedro Brites

Ano: 

2023

Escola: 

  • RI - Escola de Relações Internacionais

No total foram 58 propostas de lei relacionadas a questões de gênero e mulheres, nas quais há pontos de convergência e de divergência entre as diferentes deputadas. Há também propostas que foram escritas em co-autoria entre duas ou mais deputadas, o que revela que há pautas em comum entre elas.

Projetos de lei relacionados à violência doméstica, violência sexual, aumento da pena para o agressor, aumento do aparato legal de proteção à vítima e elaboração de medidas protetivas são abordados por quase todas as deputadas. Nesse contexto, são pautas ligadas principalmente à proteção das mulheres contra abusos sexuais. É importante levar em consideração o contexto de calamidade pública decretado em 2020, devido à pandemia do Covid-19, assim, muitas das pautas estão ligadas a medidas protetivas de mulheres vítimas de violência no contexto de isolamento social e emergência sanitária.

Contudo, há divergências entre as pautas defendidas pelas diferentes deputadas. Por um lado, deputadas como Joice Hasselmann, Dra Soraya Manato e Professora Dayane Pimentel (com atuação mais relevante nos dois últimos anos de mandato) propuseram pautas mais progressistas no que tange às mulheres. Estas são pautas ligadas à proteção de mulheres contra violência doméstica, aumento do escopo da Lei Maria da Penha, capacitação de profissionais para combate à violência doméstica, maiores direitos às mulheres em fase de amamentação e licença maternidade, contracepção feminina, proteção de mulheres quanto à exposição e prestação de serviço sexual, empreendedorismo feminino (principalmente no âmbito da pandemia do Covid-19) e, por fim, coleta e transparência de dados sobre agressores e violência doméstica. Também, em um escopo mais amplo, crimes contra diversidade de gênero.

Por outro lado, deputadas como Chris Tonietto, Caroline de Toni, Carla Zambelli, Major Fabiana, Bia Kicis (com maior atuação nos dois primeiros anos de mandato) e Alê Silva (com maior atuação nos dois últimos anos de mandato) propuseram leis mais radicais e polêmicas, fundamentadas no conservadorismo. Dentre elas, Major Fabiana propôs a definição legal de gênero que estaria relacionada ao sexo biológico do indivíduo, o que revela um tradicionalismo na definição legal do conceito de gênero. Bia Kicis e Carla Zambelli propuseram o aumento de pena para crimes de homicídios relacionados à "imposição de ideologia de gênero", revelando assim um assunto sensível às conservadoras. Carla Zambelli, Chris Tonietto e Alê Silva, em nome da defesa da família, se posicionam completamente contra o aborto, mesmo o aborto legal, isto é, em caso de estupro, microcefalia do feto, ou quando a gestante corre risco de vida. Chris Tonietto propôs uma rede legislativa para conceder diretos ao 'nascituro', isto é, o feto a partir de sua concepção como ente detentor de direitos, fazendo assim com que o aborto não seja permitido em hipótese alguma uma vez que o nascituro teria direto à vida. Nesse sentido, Alê Silva assinou

em co-autoria com Chris Tonietto o Estatuto do Nascituro, compartilhando dos mesmos ideais. Caroline de Toni fez uma proposta para eliminar as cotas femininas na política, isto é, uma medida regressista, que culminaria na perda de direitos por parte das mulheres. Além disso, ela propôs a criminalização do uso do pronome neutro, outra medida de retaliação quanto à expansão dos direitos relacionados às questões de gênero.

Uma pauta em comum entre as deputadas mis conservadoras é relacionada à temática de gênero e esporte, que visa definir o sexo biológico como o único critério para definir o gênero dos atletas em competições esportivas (Bia Kicis - PSL-, Dra Soraya Manato - PSL-, Alê Silva -PSL -, Aline Sleutjes - PSL -, Major Fabiana - PSL - e Caroline de Toni - PL-). Por fim, uma proposta que também chamou atenção foi a re-definição do conceito de violência sexual, que surgiu em um contexto de fervoroza discussão sobre o aborto e, nesse caso, a ideia seria excluir o ato de forçar uma mulher à gravidez da definição legal de violência sexual. A direta consequência disso seria que impedir uma pessoa de abortar (por mais que ela tenha sido vítima de estupro, por exemplo) não configuraria mais como violência sexual. Além disso, as deputadas também buscaram excluir o ato de limitar ou anular o exercício dos direitos sexuais e reprodutivos de uma mulher da definição legal de violência sexual. São signatárias deste projeto Aline Sleutjes (PROS), Dra. Soraya Manato (PTB), Alê Silva (REPUBLICANOS) e Caroline de Toni (PL).

Nota-se, contudo, que alguns projetos propostos pelas deputadas mais conservadoras também se enquadram na casa progressista. Assim, Carla Zambelli e Alê Silva propuseram maiores direitos às mulheres grávidas no SUS, como por exemplo, o direito à cesariana e a criação de um Fundo Para Promoção e Proteção da Saúde Menstrual. Porém, esta última proposta, deve ser analisada com cautela uma vez que foi elaborada em um contexto em que o então Presidente Jair Bolsonaro havia vetado uma proposta de distribuição gratuita de absorventes nas escolas e gerado grande debate público a esse respeito.

Por fim, a deputada Aline Sleutjes não teve uma atuação tão significativa no que tange às questões de gênero. Ela assinou somente duas proposições em co-autoria com as demais deputadas relacionadas à definição do conceito de violência sexual e questões de gênero e esporte.

Das 58 propostas, observa-se que, no final do mandato de quatro anos, somente Joice Hasselmann e Dra Soraya Manato tiveram seus projetos de lei transformados em normas jurídicas. Os dois projetos aprovados referem-se à Lei Mariana Ferrer (PL 5096/2020) e ao enfrentamento à violência doméstica (PL 1291/2020). Ambos os projetos de lei foram escritos em co-autoria com deputados de todos os espectros políticos, o que nos revela que pautas mais radicais não têm aprovação na Câmara dos Deputados.

Finalmente, uma observação relevante é a troca de partidos por parte das deputadas ao longo dos quatro anos de mandato. Todas elas, sem exceção, mudaram de sigla partidária. Pela lei vigente, a troca de partido sem perda do mandato pode ocorrer caso (i) o partido tenha sido fundido a outro, (ii) a migração seja feita para um partido recém-criado, (iii) for verificado desvio no programa partidário, (iv) o deputado ter sofrido discriminação pessoal dentro do partido e, finalmente, (v) durante o período da janela partidária (MATOS, 2019). Em outubro de 2021, o partido do PSL fundiu-se ao DEM para formar o União Brasil, assim, as deputadas que passaram a integrar o União Brasil não mudaram de partido, foi somente uma mudança

de sigla. Assim, as trocas foram as seguintes: Joice Hasselmann passou a integrar o União em 2022, e depois migrou para o PSDB. Bia Kicis, Chris Tonietto, Carla Zambelli, Caroline de Toni e Major Fabiana passaram a integrar o União em 2022, e depois, migraram para o PL, partido cujo Presidente Jair Bolsonaro também se filiou. Aline Sleutjes passou a integrar o União em 2022 e depois migrou para o PROS. Alê Silva, depois de integrar o União, migrou para o Republicanos. A Professora Dayane Pimentel passou a integrar o União. Por fim, Dra Soraya Manato passou a integrar o União e, em seguida, mudou para o PTB. Em uma futura pesquisa, vale identificar em que ocasião ocorreram essas trocas e o que elas representam ideologicamente.