A atuação de Hely Lopes Meirelles, grande e conhecido jurista e desconhecido homem político da ditadura militar, à frente da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo entre 1968 e 1969

Arquivo indisponível

Aluno-pesquisador: 

Tomas Souza Queirós de Alvarenga

Orientador: 

  • Rafael Mafei Rabelo Queiroz

Ano: 

2013

Escola: 

  • DIREITO SP – Escola de Direito de São Paulo

Quando lemos a respeito da Ditadura Militar brasileira ou quando fazemos referência a Hely Lopes Meirelles (HLM), jurista de importante atuação no direito administrativo brasileiro, é difícil encontrar referências que liguem ambos. Contudo, se atentarmos para a carreira de HLM percebemos que o jurista atuou como homem político na ditadura na sua passagem como secretário da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) no período que se estende de 10 de abril de 1968 a 29 de agosto de 1969. Essa passagem ocorreu no governo de Abreu Sodré, interventor nomeado pelo regime militar em São Paulo e está localizada no período mais duro do regime marcado por grandes atentados contra o que hoje consideramos direitos e garantias fundamentais dos indivíduos.

Nesse contexto a pesquisa partiu da curiosidade que tinha em analisar que papel tinha o direito, instrumento mais importante em um Estado de Direito, no período de um regime ditatorial, como foi o caso do regime militar de 1964-1985.

Tenho também grande interesse acadêmico pelo período do regime militar, e penso que, para entendê-lo por completo, deve-se compreender como o direito era utilizado para atribuir legitimidade ao regime frente ao povo.

Assim, minha proposta de pesquisa partiu da ideia de que o direito é uma ferramenta importante de dominação e controle político em um corpo social. Tal pressuposto está exposto em Max Weber, segundo quem existem três tipos de dominação política legítima: tradicional, carismática e racional/legal. Essa última forma de poder é a mais valorizada pelos Estados contemporâneos, sendo a chave para o funcionamento de qualquer governo e fundamental na sua legitimação. Isso sugere que, na ditadura, embora tenha havido crimes a margem da lei, a repressão em larga escala tinha de buscar legitimar-se e amparar-se no direito, visando a sua legitimação social: como exemplo, citem-se os atos institucionais, processos, cassações, leis de segurança nacional e fechamento do congresso. Compreender, portanto, a atuação do direito no regime militar é entender, possivelmente, sua maior base de sustentação. Em um contexto assim, o apoio doutrinário de grandes juristas à ditadura torna-se objeto de especial interesse para a história do direito do período, bem como para uma sociologia política e jurídica da ditadura militar.

Para analisar esse aspecto do regime militar escolhi o jurista Hely Lopes Meirelles como base para minha pesquisa. Devido à extensa fonte de material doutrinário e a sua presença nos meios de comunicação de massa penso que ele foi o objeto ideal de pesquisa para a análise do direito como forma de sustentação da ditadura.

Diante do exposto, acredito que o trabalho supriu uma lacuna relevante no estudo da ditadura militar. Importantes e conhecidas obras referentes ao período priorizam a análise de como a ditadura foi contra o direito, de como as ações realizadas durante o regime foram contra as noções de um governo legítimo e democrático, de como autoridades da repressão e militantes da oposição armada violavam leis e cometiam crimes com o objetivo de fazer valer suas posições políticas. Nesse contexto, o Direito aparece majoritariamente como violado, ignorando o quanto a ditadura valia-se dele para a sua legitimação. Tentei com o trabalho abordar o outro lado da ditadura.

Para abordar esse tema algumas perguntas foram elaboradas com o intuito de conduzir a pesquisa. Dentre elas: No que consistiu a atuação de HLM enquanto secretário da SSP entre abril de 1968 e agosto de 1969? Como homem público, há provas ou indícios de que ele tenha participado de ações hoje apontadas como violadoras de Direitos Humanos no período? É possível traçar algum paralelo entre sua atuação como homem público e sua atuação como doutrinador nessa mesma época?

O trabalho foi dividido em dois grandes blocos. O primeiro consistiu na análise de depoimentos pessoais, biografias, livros históricos, teses acadêmicas, entre outras fontes que retratam o período. Nessa primeira etapa do trabalho dei preferência a relatos históricos para possibilitar a construção de um panorama com foco na atuação da Secretaria de Segurança Pública de SP, vista sob o olhar de pessoas que viveram o período. Foi importante ler diversas obras para captar os diferentes pontos de vista que rondavam a SSP para com isso conseguir construir um retrato que comtemplasse as diversas opiniões. Através desse acervo e tendo o perfil da SSP de certo modo traçado achei melhor dividir a atuação da Secretaria em três subgrupos. O primeiro trata da SSP e sua atividade burocrático-administrativa, o segundo trata da atividade repressora oficial e, por fim, o último grupo trata da atividade repressora extraoficial, as ilegalidades. Utilizadas como uma forma de apresentar a Secretaria de Segurança Pública as diversas formas de atuação foram percebidas nos documentos analisados. Nos textos históricos é predominante a referência as atividades repressoras extraoficiais (ilegalidades).

O segundo bloco consistiu na análise de fontes primárias referentes a atuação de Hely Lopes Meirelles como secretário da SSP. Essa pesquisa histórica em fontes primárias foi realizada no fundo Dops do Arquivo do Estado de São Paulo, pois ele dá acesso a documentos que possibilitam um maior entendimento do período possibilitando uma reconstrução dos passos seguidos pelo jurista a frente da pasta de modo mais fiel a realidade. Essa segunda etapa da pesquisa foi importante, uma vez que possibilitou uma análise de documentos originais do período despidos de opiniões pessoais ou qualquer forma de sentimento do autor com o período. Nesses documentos o foco é na atividade burocrático-administrativa e na atividade repressora oficial especialmente no que tange a segurança pública comum.

No cenário de desrespeito aos direitos e garantias fundamentais pouco aparece a figura de Hely Lopes Meirelles e quando ela se faz presente é sempre respondendo negativamente a perguntas sobre o envolvimento da polícia a crimes como os praticados, por exemplo, pelo Esquadrão da Morte. Contudo, mesmo sem dados que comprovem sua participação direta pode-se extrair dos documentos que o jurista atuava de modo a dar maior legitimidade a esse regime. Já nos documentos encontrados no Arquivo do Estado de São Paulo no fundo Dops percebe-se que HLM dedicou maior parte do seu tempo à frente da pasta com atividades de caráter administrativo. Isso foi uma surpresa na pesquisa, uma vez que o período analisado foi o ápice do regime militar e a SSP um dos principais órgãos de força policial de São Paulo.  Outro assunto que ocupou muito espaço na rotina do secretário foi o combate aos crimes comuns. Alguns dos temas mais frequentes eram referentes aos furtos de automóveis, combate a jogos ilícitos e principalmente o combate a corrupção. Esse destaque dado pelo secretário na divulgação dos membros do corpo da SSP envolvidos com corrupção era uma forma de, mais uma vez, tentar conquistar o apoio da população ao regime militar, pois isso funcionava como uma forma de legitimar o governo pela causa que ele combatia. Assim, HLM conseguia promover a moralização do país que era uma das bandeiras do regime.

Palavras-chave:

Para ter acesso ao trabalho completo, envie um e-mail para: pibic@fgv.br